Artigo

COP 30: Democracia e Governança Climática Global em Belém

Publicado em: 11/12/2025

Por Roberto Xavier

A democracia nunca foi uma ideia parada no tempo. Desde as assembleias da Grécia antiga até os parlamentos modernos, ela sempre mudou junto com a sociedade. Mas, no século XXI, essa mudança ganhou outra escala. O poder se tornou global, mas a política continua presa aos limites nacionais.

A Contradição Central da COP 30: Desafios Planetários vs. Instituições Nacionais

Essa contradição esteve no centro de um problema que a COP 30, recém-encerrada em Belém, colocou diante do mundo: como lidar com desafios planetários com instituições que ainda pensam e atuam nacional e até localmente?

Na origem, a democracia era o governo direto do povo, com decisões tomadas por quem seria afetado. Com o surgimento dos Estados modernos, isso se tornou impossível em grandes territórios nacionais. A solução foi o modelo de representação política, onde cidadãos elegem governantes para decidir em seu nome. Essa mudança consolidou o Estado de Direito, mas criou uma distância crescente entre o cidadão comum e o poder político.

Hoje, essa distância vai além do âmbito nacional: ela separa interesses soberanos de questões planetárias. Nenhum país sozinho enfrenta o aquecimento global, as mudanças climáticas ou a transição energética. Problemas como desmatamento das florestas tropicais, derretimento das calotas polares e poluição dos oceanos não respeitam fronteiras.

Acordos Voluntários e a Falta de Coerção na Governança Climática

A política global ainda depende de acordos voluntários, como o Acordo de Paris, onde governos prometem reduzir emissões sem punições por descumprimento. Pressão política ou opinião pública não forçam o cumprimento das metas.

Organismos multilaterais como a ONU, o PNUD, o IPCC e o Banco Mundial coordenam esforços, mas não têm poder de coerção sobre Estados. Se um país ignora metas climáticas, não há sanções reais. Aqui surge o dilema democrático atual: decisões que afetam todos são tomadas em espaços sem voz para a maioria. O cidadão vota em prefeitos ou presidentes, mas não em quem define os rumos do planeta.

Essa é a contradição que a COP 30 simbolizou: precisamos de soluções globais, mas instituições políticas funcionam em moldes locais ou nacionais. Enquanto isso, consequências das mudanças climáticas – como secas, enchentes, escassez de alimentos e deslocamentos populacionais – atingem os mais pobres, que menos contribuíram para o problema.

O Que Foi a COP 30: Debates, Tecnologia e Limitações Políticas

A COP 30 reuniu líderes mundiais, cientistas e movimentos sociais para debater aceleração da redução de gases de efeito estufa, financiamento de energias limpas e apoio a países em desenvolvimento. Discussões sobre inteligência artificial destacaram seu uso para prever impactos ambientais, otimizar recursos naturais e monitorar compromissos climáticos.

No entanto, a tecnologia não resolve o obstáculo principal: falta de vontade política e mecanismos obrigatórios. A conferência expôs a distância para uma governança climática democrática e vinculante, capaz de enfrentar a crise planetária.

O Pacote de Belém: Avanços e Omissões na Transição Energética

O texto final do Pacote de Belém, com 29 documentos aprovados na COP 30, omitiu um mapa para eliminação progressiva de combustíveis fósseis e mecanismos concretos para reduzir dependência energética global. Essa lacuna gerou críticas de organizações da sociedade civil, pesquisadores e comunidade internacional, reforçando percepções de acordos voluntários limitados, ausência de coerção e prevalência de interesses nacionais.

A contradição não é só conceitual – materializa-se nos resultados. Sem instituições globais robustas e transparentes, consensos climáticos permanecem frágeis ante transformações profundas necessárias.

O Desafio Democrático do Século XXI: Legitimidade Global e Ação Climática

A democracia do século XXI só se completará produzindo decisões globais com legitimidade democrática – expressando a vontade coletiva e com força normativa para mudar estruturas energéticas, econômicas e ambientais. A COP 30 mostrou que o caminho está aberto, mas o desafio persiste: construir uma esfera pública planetária que transforme compromissos em ação.

Diante da urgência climática e da capacidade institucional limitada, o Acordo de Belém revela uma lacuna chave: ausência de “sementes institucionais” para um organismo supranacional que impulsione cumprimento de metas via coerção ou incentivos. O documento avança em diretrizes voluntárias e financiamentos, mas mantém promessas não vinculantes e responsabilidade difusa, sem encurtar o caminho entre ambição e ação efetiva.

O grande desafio é tornar o global democrático: criar decisões compartilhadas, transparentes e participativas em escala planetária. A COP 30 não resolveu tudo – nem poderia –, mas foi um espaço simbólico para aprendizado coletivo. Seu encerramento expôs o abismo entre urgência climática e respostas institucionais.

Se a democracia nasceu para o povo governar seu destino, agora deve ajudar a humanidade a governar o destino comum. Belém, com a COP 30, pode ser o ponto de partida para essa conversa planetária. A conferência reconstruiu confiança na política coletiva, mas o desafio é transformar compromissos em práticas concretas de cooperação e responsabilidade.

Como Jürgen Habermas lembra: “a política democrática só pode preservar sua legitimidade se os cidadãos puderem compreender a si mesmos como autores das leis às quais estão submetidos”. Estender isso à escala planetária é a tarefa do nosso tempo – fazer a humanidade autora de regras para seu futuro.

Roberto Xavier é Consultor da Synergia Socioambiental, pesquisador em Saúde e SUS, Mestre em gestão de políticas públicas, e dedica-se a estudar as tensões entre Estado, democracia e desigualdade no Brasil contemporâneo.

Pronto para aprofundar sua estratégia em governança climática? Contate a Synergia para consultoria personalizada em sustentabilidade e impactos socioambientais. Saiba mais sobre nossos serviços.

Fique por dentro

Conheça mais sobre a Synergia

Cadastre-se e receba nossas novidades.

    A Synergia se preocupa com o uso de seus dados pessoais e estes serão mantidos em segurança e sigilo, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Para mais informações, consulte nosso aviso de privacidade.