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A produção de água no contexto do decreto do saneamento

Publicado em: 11/05/2023

O decreto do saneamento foi uma das pautas dos primeiros 100 dias do novo governo que, para além das pesquisas de avaliação que dividem opiniões, tem respondido a temas sensíveis para a sociedade. O decreto visa atualizar e regulamentar o Marco Legal do Saneamento, que vinha sendo discutido há mais de dois anos e continha pontos de discordância relevantes entre gestores de estatais e de empresas privadas que prestam serviços de saneamento em todo o país.

Sem entrar no mérito de cada um dos pontos de discordância, a questão hídrica dialoga diretamente com o decreto do saneamento, já que ele estabelece que os serviços devem garantir abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais de forma adequada à saúde pública e à proteção do meio ambiente.

Sendo o saneamento definido como um conjunto de ações que buscam controlar os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem-estar físico, sobre a saúde e a sobrevivência (WHO, 1950); o não provimento de serviços básicos além de representar insuficiência na aplicação de políticas públicas também fere um direito constitucional que visa garantir a qualidade de vida da população brasileira e, consequentemente, o desenvolvimento do País, já que é um dos indicadores mundiais de classificação social.

O saneamento é essencial para a saúde da população e alguns dados provam isso: segundo o Ministério da Saúde (DATASUS 2021), o Brasil registrou quase 130 mil internações, em 2021, provocadas pelas chamadas doenças de veiculação hídrica, causadas por contaminações na água. Isso revela o quanto a falta de saneamento prejudica a população e que, dadas as características dos territórios (urbano ou rural) e habitações onde vive, pode ser mais ou menos impactada, resultando em crianças ausentes nas escolas, trabalhadores impossibilitados de exercerem suas atividades laborais e, em último caso, óbitos.

Decreto do saneamento: um investimento para universalização da água

Uma forma de pressionar os tomadores de decisão sobre a importância do saneamento seria olhá-lo com um investimento e não como custo. António Guterrez, secretário-geral da ONU, defende a ideia de que um ambiente saudável, provido de boas condições saneantes, é fundamental para as pessoas, mas também para os negócios e o planeta, e ressalta que para cada dólar investido em água e saneamento básico, até 5 dólares são devolvidos em melhores condições de saúde, produtividade, educação e empregos no mundo (Nações Unidas – Brasil, 2021).

E esse tipo de debate não é novidade. Dirigentes mundiais vêm discutindo esta pauta há décadas, sendo a falta de saneamento declarada como um obstáculo a ser vencido para o progresso da humanidade durante a Cúpula do Milênio nos anos 2000. O acesso à água, por sua vez, foi proclamado como um direito humano pela ONU em 2010. Agora, na Conferência da ONU sobre a Água, realizada em março deste ano em Nova Iorque, o tema voltou ao debate com uma abordagem ampliada, de que a água é um direito ecossistêmico. Ou seja, é um direito das futuras gerações e passa a ser encarada pela ONU como um bem comum.

Bairro sem saneamento básico. Foto: -Valter-Campanato_ABr
Decreto do saneamento garante abastecimento de água, esgotamento sanitário e limpeza urbana. Foto: Valter Campanato/ABr

Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, esteve na Conferência da ONU sobre a Água e ficou muito satisfeita com essa nova diretriz da entidade, pois entende que isso deve impulsionar a tomada de decisões no Brasil.

“Esse é o momento para que o Brasil aprove, finalmente, a proposta de emenda da Constituição, a PEC número 6, que coloca o acesso à água limpa e tratada como direito fundamental de brasileiros e brasileiras”, disse Malu, durante um evento realizado em São Paulo, promovido pela TyQuant, solução hídrica da Synergia Socioambiental, sobre a dicotômica questão hídrica vivida no Brasil: escassez e abundância.

Juntamente com outros especialistas brasileiros, Malu contou que levou essa pauta para a ONU, com o intuito de fortalecer as reivindicações brasileiras diante do mundo: “essa PEC, aprovada em 2022 por unanimidade no Senado, ainda não foi aprovada na Câmara. E, para que ela seja aprovada na Câmara, nós levamos para a agenda da ONU para pressionar”.

No mesmo evento, em São Paulo, Maria José Brito Zakia, doutora em Ciências da Engenharia Ambiental e professora na UNESP, trouxe sua visão sistêmica para a solução do problema hídrico brasileiro: “não há solução única, não há bala de prata. Somente as soluções compartilhadas trarão algum resultado”.

Uma dessas soluções foi apresentada pelo doutor e mestre em Irrigação e Drenagem, Rinaldo Calheiros. Ele explicou, na ocasião, o conceito de produção de água.

Segundo ele, é possível produzir água por meio de soluções baseadas na natureza, como a infraestrutura verde. Ao contrário da infraestrutura cinza, que atua no sintoma do problema, construindo barragens, represas, piscinões, transpondo rios, a infraestrutura verde atua sobre as causas e não sobre os efeitos.

“Eu me lembro quando fui fazer uma reunião para explicar o conceito de sustentabilidade hídrica para uma equipe da prefeitura de uma cidade no interior de São Paulo. O entendimento do poder público da cidade era, na época, implantar uma nova bomba para captar mais água do rio Atibaia. Porém, outras cidades que ficavam a montante também tinham intenção de captar mais água do Atibaia. Então, era óbvio que, com o aumento da população de todas aquelas cidades, uma hora a água não chegaria na parte de baixo. Ou seja, um mesmo manancial querendo ser consumido por cidades diferentes”, explicou Calheiros.

O especialista demonstrou de forma didática que a metodologia TyQuant, desenvolvida por ele, contempla o desenvolvimento de planos de autossuficiência hídrica, quantificação do potencial de água, plano de segurança de mananciais e monitoramento hidrológico. Isso resulta em produção de água e representa chances concretas de mitigação dos efeitos causados pelos eventos climáticos extremos.

Produzir água é possível e não se trata de transformar tudo em grandes florestas. A floresta é de fundamental importância, ela tem o seu lugar definido e deve ser conservada, obviamente. Mas também temos que considerar as ocupações existentes e as necessidades antrópicas. Enfim, atuar de forma equilibrada para promover uma equiparação entre as necessidades humanas e as necessidades que o ecossistema pede”, completou Calheiros.

 

Bianca Gomes é mestra em saneamento e meio ambiente pela Unicamp e especialista em sustentabilidade na Synergia Socioambiental

6 – Água potável e saneamento
11 – Cidades e comunidades sustentáveis
13 – Ação contra a mudança global do clima

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