Artigo

ONU e reguladores no combate ao greenwashing

Publicado em: 18/11/2022

“Um número crescente de governos e entidades não estatais está prometendo ser livre de carbono – e isto é uma boa notícia. O problema é que os critérios e parâmetros para estes compromissos de net zero possuem níveis variáveis de rigor e brechas amplas o suficiente para que um caminhão a diesel as atravesse. (…) Precisamos ter tolerância zero com o greenwashing.”

A declaração acima foi feita no dia 8 deste mês na COP27 por António Guterres, secretário-geral da ONU, no lançamento de um relatório com recomendações para melhorar a integridade e a transparência dos compromissos de emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050 assumidos publicamente por empresas, regiões e cidades.

“Muitas dessas promessas de net zero são pouco mais do que slogans vazios e propaganda exagerada”, disse no lançamento do relatório Catherine McKenna, ex-ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Canadá, que presidiu o grupo de 17 especialistas de alto nível criado em março passado por Guterres para formular recomendações de combate ao greenwashing (maquiagem verde) nas metas de net zero.

Net zero é uma expressão em inglês que significa emissões líquidas zero. Ou seja, emissões que ainda restarem em 2050 deverão ser integralmente compensadas por remoções de carbono da atmosfera por meio de reflorestamento, redução do desmatamento e tecnologias de captura e armazenamento de CO2.

De acordo com um relatório publicado recentemente pela consultoria Accenture, aproximadamente um terço das 2.000 maiores empresas do mundo em receita já declararam publicamente metas de net zero em 2050. Contudo, 93% dessas companhias têm chance zero de atingir suas metas se não acelerarem a implementação de seus planos de corte nas emissões. Faltam à boa parte delas planos de investimento confiáveis ​​ou parâmetros para a avaliação de seu progresso na rota para eliminarem suas emissões líquidas até 2050.

combate ao greenwashing natureza e indústria Foto-Adobe-Stock
Implementação de planos de corte nas emissões precisa ser urgente. Foto: Adobe Stock

Para resgatar a credibilidade das promessas de net zero, a ONU insta as empresas a divulgar publicamente seu progresso em direção à descarbonização usando dados verificáveis e comparáveis e pede aos órgãos reguladores que tornem essas comunicações obrigatórias. O relatório também repreende o jogo duplo de declarar o compromisso de net zero, mas simultaneamente continuar investindo em combustíveis fósseis e promovendo lobby contra as políticas climáticas.

Preconiza, ainda, que as emissões devem ser comunicadas em volume absoluto. A diminuição relativa das emissões, em unidades de CO2 por tonelada produzida, é bem-vinda, mas insuficiente para comprovar que uma companhia trilha uma rota consistente para alcançar o net zero em 2050. Se a produção aumenta muito, as emissões podem também crescer bastante, mesmo com uma redução nas emissões relativas (intensidade carbônica).

Regras mais duras

O documento da ONU surge num momento em que órgãos reguladores em diferentes partes do mundo procuram definir regras mais duras no combate ao greenwashing, que consiste na apresentação de informações enganosas ou exageradas sobre os impactos ambientais positivos de um produto, serviço ou atividade. Há, por exemplo, muitas reclamações de que investimentos em combustíveis fósseis encontram-se incluídos em fundos rotulados como sustentáveis.

Na Austrália, dois órgãos reguladores – Australian Securities and Investments Commission (Asic) e Australian Competition and Consumer Commission – estão investigando diversas empresas e instituições financeiras pela prática de greenwashing. Uma empresa de energia foi multada no mês passado pela Asic em decorrência de declarações falsas à Bolsa de Valores da Austrália (ASX). Em uma das declarações, a companhia informou enganosamente à ASX que a energia que produz é neutra em carbono. Foi a primeira punição de uma companhia pelo regulador australiano em virtude de greenwashing.

Também no mês passado, a Advertising Standards Authority (ASA, regulador britânico da publicidade) baniu uma série de anúncios de um grande banco que destacavam suas iniciativas ambientais, mas omitiam sua própria contribuição para as emissões por meio do financiamento de projetos intensivos em carbono, incluindo os relacionados aos combustíveis fósseis e ao desmatamento.

A Financial Conduct Authority (FCA), regulador do setor financeiro do Reino Unido, propôs em outubro último novas regras a partir de 2024 para proteger investidores de falsas promessas climáticas de fundos de investimento, restringindo o uso de termos como “green” e “ESG”. O pacote de combate ao greenwahsing no setor financeiro britânico incluiria um conjunto de selos para investimentos sustentáveis que sejam de fácil comunicação com o consumidor.

Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC) pretende estabelecer regras que obriguem fundos com nomes associados à sustentabilidade a divulgarem detalhes de seus investimentos para que o consumidor saiba se está aplicando seu dinheiro no que de fato contribui para diminuir emissões e proteger o meio ambiente.

Taxonomia verde

Outro instrumento que tem atraído a atenção dos reguladores é a taxonomia verde (green taxonomy), que consiste na classificação dos setores, produtos e serviços em níveis distintos de sustentabilidade. Na taxonomia, é possível saber em que medida um produto é sustentável e benéfico ao clima, proporcionando maior segurança a consumidores e investidores na economia verde.

Na União Europeia (UE), a legislação sobre taxonomia verde começou a vigorar este ano. Por meio da taxonomia, a UE pretende disponibilizar uma linguagem comum e uma clara definição do que é sustentável, expandindo significativamente os investimentos verdes.

Parte das regras da taxonomia está vigente desde o início deste ano, obrigando o setor financeiro e grandes companhias a emitirem comunicações públicas sobre a proporção de atividades econômicas ambientalmente sustentáveis em seus negócios, investimentos e carteira de crédito. O objetivo é estimular investimentos em negócios de baixo carbono, contribuindo para a UE reduzir em 57% suas emissões de CO2 equivalente até 2030, na comparação com 1990, e zerar as emissões líquidas até 2050.

combate ao greenwashing Foto-Adobe-Stock indústrias e pincel com tinta verde cobrindo elas
Órgãos reguladores têm procurado definir regras mais duras no combate ao greenwashing (maquiagem verde). Foto: Adobe Stock

Críticos, porém, afirmam que o instrumento não passa de um exercício de greenwashing que coloca em risco as metas climáticas do bloco europeu, por conta sobretudo da inclusão da energia nuclear e do gás natural na taxonomia verde da UE. O tema é bastante controverso e opõe inclusive governos dentro do bloco europeu.

No Brasil, o Banco Central (BC) já iniciou a formulação de propostas de normas para um sistema de taxonomia verde no país, uma das ações da agenda de sustentabilidade do BC, lançada em setembro de 2020. Desde então, o BC publicou normas para a inclusão das mudanças climáticas no gerenciamento de riscos dos bancos e criou o bureau verde, que adiciona critérios sustentáveis aos procedimentos de concessão de crédito rural.

A agenda de sustentabilidade do BC segue as recomendações da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD), criada em 2015 pelo Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês).

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disponibilizou no início de 2021 uma nova versão de sua “Taxonomia Verde”, publicada em 2019 pela primeira vez. Diferentemente das futuras normas do BC para o assunto, a iniciativa dos bancos é voluntária, podendo ser utilizada para reorientar o crédito às atividades com impacto socioambiental positivo, formular estratégias para gerir riscos socioambientais e associados às mudanças climáticas e identificar novas oportunidades de negócios.

Silêncio verde (green-hushing) e o combate ao greenwashing

Recentemente, a revista britânica The Economist alertou para o risco de o aumento no escrutínio dos compromissos climáticos das corporações levar ao chamado green-hushing (silêncio verde). Pesquisa da consultoria climática South Pole, divulgada em 18 de outubro passado, mostrou que um quarto das companhias consultadas definiu metas de redução das emissões baseadas na ciência, mas não pretende divulgá-las. Participaram da sondagem mais de 1.200 grandes empresas com metas net zero em 12 países e de múltiplos setores.

É salutar que a ONU e órgãos reguladores cobrem maior transparência e rigor nos anúncios de compromissos com o net zero e na oferta de produtos financeiros, comerciais e industriais apresentados como verdes ou sustentáveis. Empresas, governos e sociedade devem ser mais cuidadosos ao apresentar publicamente seus produtos e compromissos com a agenda climática. Além de serem comunicadas publicamente, as metas precisam tomar como base a ciência, serem verificáveis e comparáveis e distribuídas em metas de curto prazo, intermediárias e de longo prazo, sendo revisadas periodicamente.

Seria o pior dos mundos que as recomendações do relatório da ONU sobre compromissos net zero e a atuação dos reguladores no combate ao greenwashing inibissem empresas de divulgarem suas metas e avaliações periódicas sobre a evolução do cumprimento dessas metas.

 

Texto elaborado por José Alberto Gonçalves Pereira, jornalista e consultor em sustentabilidade e mudanças climáticas

11 – Cidades e comunidades sustentáveis
12 – Consumo e produção sustentáveis
13 – Ação contra a mudança global do clima

Fique por dentro

Conheça mais sobre a Synergia

Cadastre-se e receba nossas novidades.

    A Synergia se preocupa com o uso de seus dados pessoais e estes serão mantidos em segurança e sigilo, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Para mais informações, consulte nosso aviso de privacidade.